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REBECA ANDRADE BICAMPEÃ MUNDIAL

Não por acaso — desde que começou no esporte, em meados dos anos 2000, no projeto social Iniciação Esportiva, da Prefeitura de Guarulhos, em São Paulo — Rebeca ganhou o apelido de “Daianinha de Guarulhos”, tornando-a, já naquela época, a grande promessa da ginástica artística brasileira. Com apenas quatro anos a pequena começou a dar suas primeiras piruetas no ginásio Bonifácio Cardoso, depois de a tia, funcionária pública, inscrevê-la para fazer uma série de testes. O início foi por incentivo dela e do irmão mais velho, que a levava para treinar.

Para levar a cabo seu sonho, portanto, a garotinha saiu cedo do convívio da família. Mesmo que tudo parecesse conspirar contra, insistiu e contou com a generosidade de muita gente. A mãe não tinha tempo nem dinheiro sobrando para investir no sonho. Dona Rosa Santos trabalhava como empregada doméstica para sustentar os oito filhos. Moravam numa casa muito humilde na periferia de Guarulhos, com apenas um cômodo, onde todos dormiam, e banheiro do lado de fora. “Era muito difícil. Minha mãe não tinha dinheiro e eu faltava aos treinos. Ela ficava cansada de ir e voltar a pé do trabalho quando me dava o dinheiro para a passagem. Meu irmão então comprou uma bicicleta para me levar, mas ela quebrava”, conta Rebeca. “Ela pedia dinheiro emprestado para que não faltasse comida. E como não sobrava, não podíamos comprar outras coisas. Roupa eu ganhava das pessoas que me conheciam”, relembra hoje. 

Com dificuldades para treinar, Rebeca passaria, à época, a morar na casa da técnica Keli Kitaura. Em seguida, a futura campeã olímpica seria levada pela treinadora para Curitiba para aprimorar-se num dos mais importantes centros da ginástica artística do país. Apesar da angústia da garotinha por estar longe de casa, Rebeca contou de novo com o incentivo da mãe, que a aconselhava a não desistir do seu sonho. Foi então que surgiu um fato determinante e que mudaria de vez a vida de Rebeca: um convite para treinar no Clube de Regatas do Flamengo, no Rio de Janeiro, clube de enorme tradição na modalidade.

No clube carioca, Rebeca teve a oportunidade de se desenvolver e amadurecer no esporte para o qual sempre demonstrou enorme talento. Como na vida de toda ginasta de alto rendimento, as lesões e alguns problemas no joelho começaram a surgir. Isso se estendeu à fase adulta, quando Rebeca passou a participar de competições internacionais, como o Panamericano de Toronto, em 2015, no Canadá. Durante a prova ela rompeu o ligamento cruzado anterior do joelho direito e teve que ser operada. Foram longos oito meses de recuperação e o medo de não conseguir se recuperar. E, pior, ter de desistir da carreira. De novo, a figura materna de dona Rosa surgiria, dando força à filha, que seguiu seu caminho rumo às Olimpíadas Rio 2016. Todavia, sem estar em sua condição física ideal, Rebeca ficou de fora da decisão do salto e, no individual geral, terminou na nona colocação. No ano seguinte, chegou como favorita ao Mundial de Montreal com a ausência da papa-medalhas estadunidense, a lendária Simone Biles. Mas o joelho voltou a atrapalhá-la com uma lesão ocorrida durante um salto de aquecimento. Após se recuperar, Rebeca disputaria o Mundial de 2018 e, em junho de 2019, iniciava os treinamentos para o Mundial de Stuttgart, na Alemanha. Nesse mesmo ano, durante uma apresentação de solo no Campeonato Brasileiro, Rebeca teve uma nova lesão e viu sua vaga nos Jogos de Tóquio ser ameaçada.

Foto: R7 Esporte

Superado o problema, a atleta chegaria às Olímpiadas em 2021, com muita vontade de conquistar um inédito pódio olímpico para a ginástica artística feminina do país. Uma novidade para os jurados trouxe um significado marcante para a apresentação de Rebeca no solo. A substituição de músicas de Beyoncé, cantora de quem a ginasta é fã, que usou na Rio 2016 para o funk Baile de Favela, que remete à infância da atleta na periferia. A ideia surgiu do coreógrafo Rhony Ferreira, que encontrou no funk a inspiração para as apresentações. Lançada em 2015, a canção de MC João é um marco na expansão do funk de São Paulo ao citar os principais fluxos da periferia paulista. A história do hit no solo de Rebeca começou em 2016, quando o Rhony viu como o Baile de Favela funcionava bem para “levantar a galera” num torneio na Alemanha.

Com a histórica conquista de duas medalhas nas Olimpíadas do Japão, a jovem atleta negra coroou uma geração inteira de ginastas que sonhavam levar o Brasil ao lugar mais alto do pódio, uma trajetória antes trilhada por Daiane dos Santos, Jade Barbosa, Daniele Hypólito e Laís Souza. “Para alcançar grandes objetivos é preciso lutar muito, acreditar nos sonhos e ter pessoas boas ao nosso lado, como eu tive. Porque ninguém chega ao topo sozinho”, ensina Rebeca, durante a entrevista que ela concedeu com exclusividade a Carreira Preta, antes de embarcar de volta ao Japão para o Mundial de Ginástica Artística, realizado em Kitakyushu, no final de outubro, e que você confere a seguir:

CARREIRA PRETA — Quais dificuldades você enfrentou durante a sua bem-sucedida carreira e ainda enfrenta por ser uma atleta negra?

REBECA ANDRADE — Lá, bem no começo, quando ainda era bem novinha, a questão financeira foi, certamente, o principal obstáculo. Eu morava muito longe e precisava muitas vezes ir a pé treinar. Mas sempre tive a confiança da minha mãe e o apoio da família para ir em busca do meu sonho. Sei que não foi uma decisão fácil para ela quando saí de casa e me mudei de cidade com nove anos. Minha mãe foi muito corajosa! Não sei se eu mesma teria deixado a filha sair de casa tão cedo assim (sorri). Mas tanto a coragem dela quanto a minha foi fundamental para eu chegar onde estou hoje.

CARREIRA PRETA — Embora haja vários exemplos de campeões olímpicos negros, você ainda vê a questão racial com viés social como uma barreira para se tornar um atleta profissional hoje no Brasil?

REBECA — Costumo dizer que as oportunidades deveriam ser para todos e não só para alguns. Para ser um atleta de alto nível no Brasil é preciso, além de toda a infraestrutura e condições de treinamento, muita força de vontade e superação para vencer as dificuldades da carreira. Eu pergunto: se uma pessoa se esforça tanto quanto a outra, por que só algumas são privilegiadas? São questões complicadas e doídas para quem tem uma condição social fragilizada e sofre preconceito racial.

CARREIRA PRETA — Você já foi discriminada em algum momento de sua trajetória por ser preta?

REBECA — Na verdade não me lembro de ter sofrido nenhum tipo de discriminação, seja dentro, seja fora do esporte. Já meus irmãos, sim! E doeu até mais do que se tivesse acontecido comigo. Acho inaceitável alguém julgar o outro simplesmente pela cor da pele. Não sei dizer se a fama diminui ou não o preconceito, mas evita que muitas pessoas façam isso publicamente, na sua cara, pois elas são “obrigadas” a te aceitar por causa do seu sucesso, da sua luz, da sua alegria, e isso acaba incomodando até mais algumas pessoas. A inveja é uma coisa tóxica e triste.

CARREIRA PRETA — Sente que ser campeã olímpica e ter fama no Brasil dilui o preconceito? 

REBECA — Sinceramente, não me sinto pressionada em me posicionar publicamente sobre essas questões. Tento fazer o meu trabalho da melhor forma possível. Tenho apenas 22 anos e sinto que a cobrança vem pelos resultados, que tenho que dar o meu melhor, já que há uma super cobrança em relação aos atletas que quebram recordes e alcançam grandes resultados esportivos.

CARREIRA PRETA — Ao contrário dos negros estadunidenses, os atletas brasileiros em geral não se posicionam em relação a questões raciais. Por que isso acontece, na sua opinião?

REBECA — Para mim, em particular, esse tema é bastante importante, já que muita gente sofre racismo no Brasil, sob as mais diferentes formas, seja no trabalho, na escola, no supermercado, no dia a dia… Uma coisa estrutural. Mas entendo que é uma questão delicada para alguns atletas se posicionarem, mesmo tendo grande visibilidade na mídia. Estou buscando estudar e aprender mais para poder de fato me engajar da melhor forma que eu puder para transformar essa triste realidade.

CARREIRA PRETA — Hoje você é referência e inspiração para muitas meninas que querem ser ginastas profissionais. Quem foram e quem são seus ídolos no esporte e na vida?

REBECA —As norte-americanas Simone Biles e Shawn Johnson e, claro, a Daiane dos Santos, minha maior referência na ginástica – eu queria ser como ela quando tudo começou! E, claro, a minha mãe, Dona Rosa, é de longe a minha maior inspiração na vida. Forte, guerreira, resiliente… É a pessoa mais batalhadora e generosa que conheço.

CARREIRA PRETA — E qual é o próximo sonho esportivo ou pessoal a ser realizado?

REBECA — São muitos (diz e abre um sorriso). Estou treinando forte, por exemplo, para criar e aperfeiçoar um novo elemento para as minhas apresentações no salto. Enquanto eu estiver competindo em alto nível e fazendo o que amo, serei determinada e lutarei sempre pelos meus propósitos, a fim de alcançar os meus objetivos. É preciso acreditar nos nossos sonhos, independentemente do que vão falar da gente. Além de ralar muito e ter pessoas boas ao nosso lado, como eu tive. Porque ninguém chega ao topo sozinho. Esta é uma lição do esporte para a vida toda que eu vou ensinar para os meus filhos e sobrinhos.

Ao conquistar a medalha, Rebeca juntou-se à Daiane dos Santos, Rafaela Silva, do judô, e Aída Santos, pioneira no salto em altura na Olimpíada de Tóquio, em 1964, no Olimpo de estrelas pretas de primeira grandeza do esporte brasileiro. Uma façanha e tanto para esta pequena grande atleta de 22 anos originária de uma família de periferia de origem humilde, e cuja trajetória internacional inclui, além das duas inéditas medalhas olímpicas no Japão, outro feito histórico: a conquista única, em outubro, no Mundial de Kitakyushu, das medalhas de ouro, no salto, e prata, nas barras assimétricas. Detalhe dessa mais nova proeza de Rebeca: nunca um ginasta do país, homem ou mulher, havia subido duas vezes ao pódio em uma só edição do Mundial. Uma façanha sem paralelos.

Por Marco Merguizzo  – Revista Carreira Preta 2021

 

Foto: Ricardo Bufolin/CBG – Globo Esporte

Em 2022, em Liverpool, a ginasta Rebeca Andrade garantiu a medalha de ouro fazendo o individual geral e o terceiro lugar fazendo sua apresentação no solo com a musica Baile de Favela.


Foto: Brasileira leva ouro superando Simone Biles – Agência Brasil

Em 2023, Rebeca é Bicampeã mundial no salto.

Fazendo-a disparar como a brasileira que mais medalhou em Mundiais, é a sétima de sua carreira.

“Nós tivemos um pódio 100% de mulheres pretas, achei isso maravilhoso a mágica das mulheres pretas”

Foi a primeira vez na história do mundial que tivemos todas as mulheres pretas no pódio individual geral. Um orgulho para a população negra! 

Rebeca Andrade, Simone Biles e Shilese Jones – Foto: Ricardo Bufolin/CBG – Globo Esporte

 

“Nós tivemos um pódio

 

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